Post originalmente publicado no Cultura em Processo.


Por esses dias ouvi a seguinte indagação, em um email de um estudante de design:

Quando projetamos, estamos formando opiniões e influenciando as pessoas? Ou, pelo contrário, só estamos reforçando o que elas já acreditam?

Essa dúvida veio como fechamento de um diálogo que esse estudante teve com seu irmão:

— Não gostei desse novo Gol. Ele é muito marrentinho.

— Concordo. É uma tendência hoje em dia: fazer carros que se impõem no trânsito. Eu não acho isso legal, cria uma agressividade desnecessária no dia-a-dia.

— O design do carro torna as pessoas mais agressivas ou ele só detecta esta vontade nas pessoas e a externa?

Na maioria dos casos de carros feitos para o grande mercado automotivo (não estou falando de carros conceito, de bólidos de corrida etc.), existem evidências de que o design normalmente é “passivo”, em um sentido específico: se projeta de acordo com um briefing, extremamente detalhado com base em algum plano de marketing que, por sua vez, foi beber nas ditas “tendências”. Em outras palavras: “os profissionais de criação, assim, não criam nada de novo, têm apenas uma função sináptica de perceber tendências latentes na cultura, materializando-as em objetos que possam trazer o sucesso mercantil”. Essa citação é de um artigo que trata das estratégias de posicionamento de marca no mercado automotivo (é um artigo de sociologia, e não de design, mas muito interessante de ser lido por designers, pois colocar o deisgn como pau mandado do marketing e da moda no caso estudado, que é o da Renault).

Em primeiro lugar, não podemos tornar essa situação “passiva” como regra. Em segundo, temos que entender essa condição submissa. Existem casos que mostram que mesmo empresas voltadas para o amplo varejo produzem, as vezes, sem tanta ligação com esse fio condutor das tendências traçadas por um plano de marketing. Ouvi (apesar de não achar confirmação) que o surgimento da caminhonete Dodge Dakota contrariava o departamento de marketing da empresa e, de fato, só foi pra frente por insistência do designer responsável pelo projeto. O surgimento do Playstation, vídeo-game da Sony, também não estava nos planos da companhia e o projeto surgiu devido a emoções (algo próximo a um desejo de vingança) que tiveram os engenheiros depois de um desentendimento com a Nintendo (e mais uma vez o projeto só teve forças para não ser arquivado baseado na insistência de algumas pessoas). Esses exemplos são exceções, mas temos empresas que agem diferente como padrão: há quem diga que a Apple se foca muito mais em inovação do que em atender às tendências. E, de fato, se ela se baseasse em planos de marketing e de tendência como as demais empresas, ela teria colocado BlueRay nos seus computadores lançados no segundo semestre deste ano, coisa que não aconteceu. Ela aposta suas fichas na iTunes Music Store, pois (talvez) acredita que esses meios físicos vão morrer em breve. Pode-se dizer que ela não segue tendência, ela, de certa forma, mais as cria do que as segue.

Então chegamos no segundo ponto: existem, sim, oportunidades mesmo dentro do mercado, do designer ser menos passivo e mais ativo em relação às tendências. Ao meu ver é, ainda, uma atividade especulativa (as vezes o que se aposta como futura tendência, com o tempo, se mostra acertado, as vezes não). Mas é uma forma de escapar de uma situação muito fixa de apenas seguir o que percebemos o que as pessoas querem.De fato, ambos os discursos são muito parecidos: ou se projeta pensando no que as pessoas querem, ou se projeta pensando no que se pensa que elas podem querer; mas, no mercado, não vejo coisa muito diferente disso.

Assim, a pergunta que deixo é a seguinte: projetar pensando no que você aposta que as pessoas vão querer quão mais próximo de “ativo” quão mais distante de “passivo”? Seria essa uma forma do design deixar de ter “apenas uma função sináptica de perceber tendências latentes na cultura, materializando-as em objetos que possam trazer o sucesso mercantil”?