Post originalmente publicado no Cultura em Processo.


Hoje meu amigo Fernando Galdino escreveu um artigo no blog onde é colaborador. O título do texto é O que é, o que é? Design thinking. Lá ele se propõe explicar o que é o tal do design thinking. Eu, entretanto, sou bem crítico em relação ao uso e aos significados que esse termo, design thinking, pressupõe. Prefiro discutí-lo de três formas: primeiro, acho que não há ruptura teórica alguma em relação ao que se propõe o próprio design (não o design thinking); segundo, acredito que há – apenas – uma pseudo-ruptura prática em relação aos que se popularizou, no mercado, como design; terceiro, e consequência das outras duas, design thinking não é nada além do que design bem feito.

1. A falta de ruptura teórica

Tomás Maldonado, estudioso do design, escreveu lá na década de 70 que seria substancial ao design (_design industrial, n_a tradução em Português de Portugal que tenho em mãos) “a tarefa de mediar dialeticamente entre necessidades e objetos, entre produção e consumo.” O estudioso argentino ainda continua, nesse texto, com a afirmação de que o design surge enquanto “fenômeno social total”, relembrando a Sociologia clássica de durkhemiana de Mauss.

Não cabe aqui nos aprofundar no aspecto sociológico dessa afirmação, embora fizesse todo o sentido. Prefiro destacar (e desdobrar) o que essas frases pinçadas do livro Desenho industrial querem dizer: elas fazem questão de valorizar a relação do design com três aspectos, que, lá no texto do Fernando Galdino, aparecem como “sociais”, “mercadológicos” e “tecnológicos”. Quando Maldonado abre o livro apresentando o design da forma como resumi anteriormente, ele quer mostrar como essa prática profissional se constrói em diálogo íntimo com diversas instâncias da sociedade. A mais óbvia de todas é a da esfera produtiva: simplificando, ela seria interessada em oportunidades de negócios (lucros) e envolvida por questões tanto de desenvolvimento, quanto de restrições tecnológicas e financeiras. Mas também existem outros diálogos nessas relações sociais que se dão através do design – afinal, Maldonado afirmou se tratar de um “fenômeno social total”, ou seja, um fato que não se restringe somente à esfera econômica. Isso inclui, obrigatoriamente, nessa teoria as relações sociais dos usuários, consumidores, seus problemas, seus valores, suas necessidades, etc. A forma que Maldonado apresenta o design, considera tudo isso como componente da própria gênese, do próprio propósito do design, como escrevi alguns anos atrás.

Enfim, tudo que Fernando Galdino coloca como espécie de pilares do design thinking, (pilares que diferenciaria esse novo modo de fazer design de todos os outros) já estava presente no discurso teórico de Maldonado – que, por sua vez, não rompia com os pressupostos modernistas do início do século XX e final do século XIX. Logo, é por isso que afirmo que não há ruptura teórica no conceito de design thinking. Ele é apenas a celebração do que pensavam alguns dos precursores do próprio campo teórico do design.

2. A pseudo-ruptura prática

Vamos supor que eu fui enfático o suficiente e convenci todos os leitores de que não há, em termos teóricos, ruptura alguma quando falamos de design thinking: isso nos levaria a propor uma nova pergunta, qual seja, o porquê do sucesso dessa ideia – do design thinking – agora. Em outras palavras: o que explicaria, então, o fenômeno da emergência do design thinking como “a buzzword” nos últimos anos?

Ao meu ver – e, mais uma vez, em consonância com o que coloquei em Os propósitos do design, meia década atrás – o design, digamos, contemporâneo, perdeu seus vínculos teóricos e práticos com seus fundadores, com os designers congênitos do modernismo, com os teóricos do que chamei Era dos manifestos. Em outras palavras, o que defendia Maldonado na década de 70, era a contramão do que acontecia, grosso modo, no mercado. Na segunda metade do século XX, em uma sociedade consumada em torno da esfera produtiva, as outras instâncias perdem importância – e, logo, o design também passa a privilegiar a esfera da produção e geração de lucro para as corporações. O clímax desse movimento é o surgimento das dezenas de linhas teóricas de design que consideram a inovação enfaticamente como oportunidade de negócio, se aproximando dos discursos das áreas de gerência, administração e negócios. Nesse cenário o design passa a ser muito “bem visto” pelas empresas, principalmente (e quase exclusivamente) por oferecer boas possibilidades de lucro. Na outra face dessa moeda, entretanto, o que ocorre é a perda dos diálogos com as outras instituições e atores sociais, o afastamento de uma espécie de filosofia que visasse explorar outros assuntos que não as oportunidades de negócios.

Portanto, o que proponho, é que o design, na segunda metade do século XX, se afastou daquilo que foi sua base fundadora, aquilo que se clamava na segunda metade do século XIX e no início do XX. Esse afastamento permitiu que o design fosse assimilado à forma de pensar produtivista do mercado.

Mais tarde, com o “desgaste” dessa forma produtivista-materialista de ver o mundo, toda a sociedade, hoje, se atenta para outras instituições e valores. Logo, o design também.

A experiência do afastamento da prática do design com seus propósitos teóricos iniciais, é, portando, o desvio, e não a regra. Retomar esse traçado original só é uma ruptura em relação ao desvio, e não em relação ao todo da história do design. E é por isso que digo que há apenas uma pseudo-ruptura: aparentemente rompeu-se com o status quo, mas esse status quo era apenas uma visão parcial do que era defendido na origem no design. Uma outra forma de ver, então, o design thinking, é como uma retomada (e relação aos clássicos do design), e não como uma novidade (inédita).

3. Design como ele deve ser

Nessa linha, o tal do design thinking é uma evolução do que já pensavam John Ruskin, William Morris, Walter Gropius e companhia. Claro que não é a mesma coisa, mas não há uma relevante inovação e/ou ruptura entre esses e a nova buzzword. O que mudou foi a sociedade, não o design.

É importante ressaltar que seria injusto cobrar dos fundadores do design metodologias apuradas de ciências sociais. Enquanto Deutscher Werkbund, por exemplo, Marx e Durkheim mal tinham sido enterrados, Simmel e Weber eram novidades na academia, e Malinowski e Mauss não tinham escrito nada ainda. O mesmo argumento vale para as teorias econômicas mais modernas, para os estudiosos de gerência, de administração de negócios, etc.

A minha escolha por Maldonado não é por acaso: ele era um estudioso que chegou depois do auge desses fundadores do design. Fora do design, viveu, também, depois do surgimento dessas ciências todas, bem como viveu no ápice de um mundo focado na produção. Ele, então, é uma espécie de ponto de convergência e amadurecimento de todos esses assuntos, por mais que seu discurso fosse visto (até recentemente) como idealista ou utópico. Hoje reconsideramos alguns valores, temos outras formas de pensar, e o que surge como design thinking ao mesmo tempo que não contradiz o que diziam esses fundadores, é muito próximo do que dizia Maldonado na década de 70. Ainda, pode-se afirmar, que é visto de forma muito mais realista (pois vemos isso acontecendo no mercado) e madura (pois incorpora, naqueles discursos as mudanças que o mundo sofreu nas últimas décadas). Resumindo: é o design como foi pensado em XIX que, com o passar dos anos, amadureceu para não ficar gagá.

Concluindo…

… Maldonado não cita Mauss por acaso. O cita pois já percebia que os grande planos modernistas precisavam de um diálogo aprofundado e complexo com as várias instâncias da sociedade que ele, Maldonado, via entrelaçado no encaixe do design com a sociedade. O que acontece é que hoje, sob o rótulo de design thinking, não achamos isso tudo tão impossível, tão utópico, quanto parecia nas obras de Maldonado, de Redig, entre outros estudiosos do design de umas 4 décadas atrás. Apenas estamos continuando o que vinha sido proposto a mais de um século, agora com uma abordagem prática palpável e um amadurecimento metodológico e científico que é inerente ao passar desses anos todos.

Assim, design thinking é um processo de volta às raízes, e não uma novidade. Se há uma novidade, é que deixamos o desvio que tínhamos pego, e estamos, finalmente, valorizando o que nossos antecessores mais distantes propunham. Estamos fazendo um design que eles olhariam e poderiam, falar, com o orgulho que um avô falaria de um neto que ele admira: isso sim é design bem feito!