Post originalmente publicado no Cultura em Processo.


Fevereiro de 2012. O Brasil não sabia que em questão de algumas semanas perderia Chico Anysio e Millôr Fernandes. Adele era sensação e tinha acabado de ganhar não sei quantos prêmios no Grammy. E eu estava aqui falando que sei como Facebook, Google, Twitter etc. ganham dinheiro, e que não me importava que parte da minha privacidade se tornasse um “produto” para eles revenderem para anunciantes. Não me importava, era verdade. Mas, no caso do Facebook, isso não é mais verdade. E explico o porquê.

Desde que que comecei a usar o Facebook com mais intensidade (chutaria que mais ou menos a partir de 2009), muitas coisinhas me incomodavam: desde de sempre o Facebook tinha problemas com pequenos “spams” como convite para joguinhos, aplicativos (lembra daqueles de calendário de aniversario?) e, claro, para eventos – únicas coisas que acho que dá para “mandar para todos os amigos de uma vez só”. Coisa simples, suportável, claro. Mas, com o tempo, algumas outras coisas começaram a me incomodar.

Primeiro, e mais simples: o Facebook sempre falhou em fazer um aplicativo decente para celular. Isso não é novidade. São tão perdidos nessa tarefa que fizeram um auê quando lançam uma interface “mega inovadora” para a parte de mensagens (aquela das fotinhos redondas que dava para arrastar pela tela), para, na sequência, tirar a funcionalidade de mensagens do aplicativo (e relegá-la a um outro aplicativo, dedicado exclusivamente a mensagens). Isso sem falar que o app do Facebook sempre foi uma carroça, uma lerdeza. Mas tudo bem, mais uma vez, problemas contornáveis: vez ou outra escolhia usar o Facebook pelo navegador pois era mais rápido (e, sendo mais rápido, menos tempo de tela ligada, menos consumo de bateria no celular).

Mas o Facebook é pior do que isso, o que começou a ficar claro com a questão do chamado “alcance orgânico”, do assassinato dele, na verdade. Creio eu, foi a primeira onda de suspeitas (senão de fraudes) de que o Facebook realmente nos faz de bobos, nos faz pagar duas vezes para ter alcance: primeiro você paga para ter likes, aí o Facebook te entrega likes “falsos” (de fazendas de cliques). Depois, como tua página só tem likes falsos, não há intereação, então os posts não tem alcance. Logo, você tem que pagar para promover os posts. Quem contou essa história bem contada foi Derek Muller, do Veritasium (vídeo em inglês):

Aí a pulga se instalou definitivamente atrás da minha orelha. E coçou mais quando o Facebook comprou o WhatsApp: ouvi rumores – só rumores – de que a plataforma estava bloqueando posts que divulgavam o Telegram, concorrente open-source do recém adquirido WhatsApp. Mas tudo bem, em rumores não dá para confiar. Fato é que o Facebook começou a sentar no poder, na imensa audiência, no número de usuários. E começou a perder o contato justamente com esses usuários, com suas aspirações, com o que eles esperam da rede social. Não é à toa que aplicativos melhores já se garantem em alguns nichos. O Facebook começou a ditar as regras, e começou a ditar regras que incomodavam. Uma coisa que pessoalmente me incomoda não é a retirada da função de mensagens do app principal, mas a retirada de função de leitura e envio, e, no entanto, a manutenção das notificações de mensagem – acho incoerente, acho uma forma boba de tentar “forçar” o usuário a baixar o segundo app. Mas sou cheio de nhenhenhés, e isso já assumia no texto de 2012. Continuemos.

O próximo capítulo viria a ser o mais importante para mim: o Facebook, junto com alguns pesquisadores da Cornell University e da University of California – San Francisco, usou quase 1 milhão de usuários como ratos de laboratório, manipulando intencionalmente os posts dos murais desses usuários para testar os efeitos emocionais disso. O resultado, cientificamente provado, é que o Facebook propositalmente contribuiu enfaticamente para a tristeza de centenas de milhares de usuários ao longo do experimento. A discussão sobre a ética e a legalidade disso é uma zona cinza, existem pessoas que até acham normal o que o Facebook fez (o que não que dizer que acham bom o que o Facebook fez).

Com tudo isso, fui perdendo a confiança que tinha no Facebook, perdi aquilo que me fazia pensar que entregar parte da minha privacidade ao Facebook era uma troca justa: ele sabia da minha vida, vendia isso para seus anunciantes e, em troca, eu tinha uma plataforma legal para me comunicar com meus amigos. Não é mais. O que o Facebook me entrega, da forma como entrega, não vale mais tanto a pena.


Esses dias vieram à tona os absurdos dos termos de uso do app de mensagens do Facebook: entre outras coisas, o app pode mudar o status de conexão de rede, pode fazer ligações do seu celular, pode gravar as tuas ligações e pode ter acesso a toda sua agenda de contatos. Isso tudo com sua conivência, já que, ao instalar o aplicativo, concorda-se com tudo isso. Alguns argumentam que tecnicamente esses termos são “padrões” de todo aplicativo. Pode até ser. Mas, para mim, o problema não está em qualquer aplicativo me obrigar a isso; para mim o problema está no Facebook em si. Meu problema não é risco de ter esse contrato assinado com qualquer um. É a falta de confiança de ter esse contrato assinado justamente com o Facebook — e essa rejeição foi construída por esse histórico de limites extrapolados pela rede do Mark Zuckerberg.

Hoje não quero (ou, exagerando, não posso) sair do Facebook: ainda tenho contatos e projetos que se sustentam pela enorme rede de usuários que transitam por ali todo dia. Mas tomei algumas atitudes para tentar ser menos dependente, e tentar escapar das armadilha éticas mais flagrantes dele – moderado medíocre que sou, não deletarei minha conta, mas tento diminuir a relevância do Facebook no meu dia-a-dia:

  • Nunca paguei e nunca pagarei por posts ou likes
  • Não dou like em nenhuma página (fã page é o pote de ouro para cobrar por likes e, depois, cobrar por alcance)
  • Tento dar menos informações para o Facebook: deletei minha conta do WhatsApp (para isso tenho diversos outros aplicativos que cumprem bem a função: Telegram é meu favorito, mas tem Messages, Viber, ICQ etc.), desinstalei o app do Facebook do celular (na rua, só uso via navegador do celular), e nunca instalei esse novo app exclusivo de mensagens
  • Tento usar mais email do que mensagens de Facebook (por mais que eu pareça estar na contra-mão do mundo)
  • Desvinculei minha conta do Twitter com a do Facebook (que estavam vinculadas já faz bem uns 5 anos), e fiz isso com diversos outros apps também

Não vou mudar o mundo – muito menos o Facebook – com isso; sei bem. Mas pelo menos me sinto tentando equilibrar, me sinto tentando ter uma troca mais justa. Troca que não me importo em ter com o GMail (mesmo criticando o Google vez ou outra), mas que passei a me incomodar em te-la com o Facebook.


Atualização: depois de 3 meses que escrevi esse post, acabei desativando minha conta do Facebook. Nunca mais voltei.