Coluna publicada na Revista Clichê, N4, nº 4. O convite para escrevê-la foi feito em 2014 com a pergunta “Design thinking existe?” — Eu logo lembrei das minhas opiniões, que pouco mudaram, de uns anos atrás: é design thinking ou design bem feito? Mas resolvi escrever outro texto ponderando o que aprendi durante os últimos anos.


Sempre insisto em dois pontos quando o assunto é design thinking. O primeiro é que ele não seria muito diferente do que deveria ser um design bem feito, afinal os modernistas das grandes escolas europeias de design já insistiam na importância de compreender o social, o cultural e o econômico para projetar. O segundo ponto eu tomo de Peter Merholz: “uma verdade não tão secreta sobre design thinking é que uma grande parte dele é, na realidade, social science-thinking ” (ou seja, mais próximo das ciências sociais, e não do design). Acredito que o que temos visto nos últimos anos não vai muito além disso: o design, preocupado em compreender a sociedade, resolveu aprender com os métodos que antropólogos, sociólogos e psicólogos empregam para estudar culturas e estilos de vida. Entendendo melhor as pessoas e seus contextos, designers conseguem mais embasamento para o processo criativo e para inovar. Uma coisa muito desinteressante nesse contexto é desperdiçar energia tentando rotular o que está acontecendo: design thinking é design? O que é um, o que é outro? Por outro lado, é interessante aprender com esse processo, compreendendo o que ele nos diz sobre a relação entre design e mercado.

Minha trajetória no design thinking é heterodoxa. Me formei em design, mas sem muita vontade de ser designer resolvi estudar sociologia. Ao fim do meu mestrado na nova área apareceu a oportunidade de trabalhar como líder de projetos na Insitum, onde eu viria a ter como clientes multinacionais como o Google, a Panasonic e a Natura. Não cheguei ao design thinking pelas vias tradicionais, acompanhando as coisas da d.school e IDEO. Cheguei à área vendo que meus diplomas de design e de sociologia me credenciavam para isso.

Esse viés me faz menos preso à “cartilha” do design thinking, me dando a liberdade para sentir como essa área é na prática. Com base nessa experiência ressalto três aspectos. Primeiro, a forma como o design enriqueceu os métodos de pesquisa que abraçou: designers sabem por a mão na massa, sabem tangibilizar ideias abstratas, sabem dar forma, cor e textura a sentimentos. Isso ajuda muito na hora de explorar coisas complexas como escolhas pessoais e estilos de vidas. Explorar porquês, expectativas, opiniões é uma tarefa complexa — e nessa hora é excelente poder unir a as técnicas que os cientistas sociais usam para entender as pessoas com as técnicas que os designers usam para tangibilizar as ideias. Por exemplo, em uma entrevista etnográfica pode-se usar suportes como ilustrações e protótipos, o que designers fazem muito bem. A dinâmica da entrevista fica muito mais produtiva com facilitação gráfica, com cartões de conceitos e cenários, ou com o desenvolvimento de protótipos entre uma entrevista e outra. Uma equipe que junta essas habilidades fala de assuntos complexos com muito mais facilidade.

Segundo, com uma pesquisa bem estruturada o design começa a se livrar de alguns pesos que carrega há décadas: aos olhos dos outros, ele passa a ser menos uma questão de gostei-ou-não-gostei. Com a pesquisa, o design passa a dialogar explicitamente com o contexto social, cultural e econômico. As decisões de projeto são sustentadas por cada entrevista e isso fortalece os conceitos apresentados. A ideia não é a infalibilidade do projeto, mas ao menos fica mais fácil explicar os porquês dos caminhos escolhidos — seja em negociações dentro da equipe de projeto, seja em discussões na empresa que o contratou, por vezes com diretores que nem acompanharam o projeto. Saber pinçar do campo as informações que estruturam uma boa análise, sintetizar modelos para a fácil compreensão do contexto e apresentar as propostas como derivadas desse processo são coisas que dão segurança ao projeto. Em última instância, segurança e risco são os dois extremos da balança de tomadas de decisões estratégicas sobre inovação, principalmente no mundo corporativo. Ouvi muito do Carlos Righi, um dos melhores professores de design, que o design tem que ser estratégico dentro de uma empresa, que o designer tem que atuar ao lado do presidente da empresa e não em uma área específica da produção ou desenvolvimento. O design thinking conseguiu dar mais credibilidade à área, destacando o lado estratégico do design dentro das empresas.

Terceiro, com uma pesquisa mais rica, e assumindo um papel mais estratégico , o próximo passo não deixa de ser irônico: parece que o caminho natural leva à consultoria e não ao design propriamente dito. Os designers acabam sendo cada vez menos designers uma vez que entram no design thinking. Se comecei argumentando que as habilidades de por a mão na massa ajudaram os designers a dar tangibilidade para muitas abstrações da pesquisa etnográfica, esse mesmo movimento acaba afastando o designer da etapa de mão na massa “final”. Cada vez mais estratégicos, cada vez mais criando conceitos que dialogam diretamente com o contexto dos usuários, designers vão perdendo o interesse por desenhar e implementar a solução final, por lidar com limitações técnicas e orçamentárias. A ênfase no design thinking coroa uma atuação que é cada vez menos design-mão-na-massa, mas que é cada vez mais business.

Ao invés de conciliar o mercado com o contexto dos usuários, o design thinking faz de designers cada vez mais CEOs. Ao invés de efetivamente implementar produtos e serviço, o design thinking faz de designers estrategistas corporativos que não põe a mão na massa, gurus que apontam caminhos do alto de seus castelos de post-its. Ao invés de resolver problemas de forma criativa, o design thinking estuda a sociedade de forma criativa, mas prefere não mais produzir essas soluções. É verdade que existe uma riqueza nas soluções típicas do design, por vezes mais analíticas, empáticas e criativas do que abordagens técnico-administrativas de escolas de administração ou engenharia. Mas existe cada vez menos um envolvimento do designer nas etapas seguintes à concepção, ao conceito, às guidelines.

O design thinking existe e aproximou os mundos do design, das ciências sociais e das corporações. Em alguns sentidos, ele trouxe muito mais suporte para as ideias modernistas de um projetar próximo à sociedade. Mas o design thinking também se tornou anti-design ao concretizar uma atuação de design que guarda pouco de execução e implementação. Uma atuação que se aproveita da habilidade de por a mão na massa para, em última instância, oferecer consultoria sem por os pés no chão sujo das oficinas e linhas de produção.