Há alguns meses escrevi que faço o uso de tecnologia como voz política. Hoje sinto uma gigante satisfação de contar que sou parte da Serenata de Amor.
Na Serenata de Amor nós usamos muita tecnologia para combater a corrupção. Estamos apenas começando, testando, explorando. Em breve teremos robôs passando um pente fino na chamada verba indenizatória, uma grana enorme – mais de R$ 210 milhões por ano — que nossos deputados podem utilizar sem licitação para exercer seus mandatos. E fazemos tudo com dados abertos e com código aberto.
Logo de cara esbarramos com pequenas entraves tecnológicas: por exemplo, alguns arquivos liberados pela Câmara respeitam a lei de transparência, mas a gente não os considerava acessíveis. Escrevemos e disponibilizamos ferramentas que conseguem digerir e tornar o acesso a esses dados muito mais simples e leve em termos de requisitos de hardware.
Mas isso é somente o aquecimento. Explorando os dados, apenas para ter uma ideia do que era possível fazer, já achamos alguns casos interessantes. Sabia que tem deputado que paga cerveja com o dinheiro do contribuinte? E não é qualquer cerveja — é uma Samuel Adams no restaurante do Gordon Ramsey, o famoso chef durão do programa de TV Hell’s Kitchen. Sabia que tem deputado provavelmente usando dinheiro da verba indenizatória para custear a própria campanha política?
Não acreditam? Ok, confesso: é uma pergunta retórica. Como dizia o grande Antônio Carlos Jobim, o Brasil não é para principiantes. Então eu não esperava mesmo nenhuma expressão de surpresa. Em todo caso, nesse link da própria Câmara qualquer um pode ver o recibo do que foi ressarcido a um deputado.
Eu mesmo verifiquei o site da cervejaria para verificar se eles, por algum acaso, não tinham uma cerveja sem álcool. Aparentemente não tem. Fui ler a lei que cria a verba indenizatória e vi que ela não proíbe explicitamente que a verba seja usada com bebidas alcoólicas. Consultei a própria Câmara e me responderam que a lei não é clara mas que a jurisprudência do TCU “considera tal prática incompatível com o interesse da Administração Pública” e que para a própria CGU “despesas com bebidas alcoólicas […] são consideradas inelegíveis, ou seja, não podem ser custeadas com recursos públicos, salvo em recepções oficiais” — mesmo assim o valor total do recibo foi pago ao deputado, R$ 83,45 após convertido para nossa moeda.
No outro caso que achamos intrigante um deputado aparentemente financiou a própria campanha usando a verba indenizatória, pagando uma empresa que ele mesmo criou, em seu próprio nome. Mais uma vez temos o comprovante no site da Câmara com o valor integral que foi devolvido ao deputado: R$ 190,05 pagos utilizando aquele mesmo bolso, o nosso.
E esse caso tem um detalhe que vale ser ressaltado: o comprovante diz que as despesas se referem ao período da primeira quinzena de fevereiro de 2015, mas a empresa está inativa na receita Federal desde 2014. É só entrar no site da Receita, pesquisar pelo CNPJ 20.574.089/0001-07
e clicar em Sim na opção “Deseja emitir a Certidão de Baixa?” — a certidão deve ser parecida com esta:
Analisar esses casos, um a um, leva tempo. É possível e a Operação Política Supervisionada faz isso com imenso sucesso: mais de R$ 5 milhões já foram contestados e ressarcidos aos cofres públicos graças a dedicação de inúmeros voluntários. O que fazemos na Serenata de Amor é expandir esse poder de análise tendo a tecnologia ao nosso lado: usamos data science e machine learning para analisar um banco de dados gigantesco, de anos e anos de verba indenizatória, e tudo isso de forma ágil e transparente.
Muitas são as possibilidades: cruzar os dados da verba indenizatória com os dados dos CNPJ onde os gastos foram feitos, com endereços e localizações, com a agenda oficial do político, com os nomes dos sócios das empresas; com data de abertura e baixa da empresa; achar dados que desviam dos padrões; colocar nome de familiares nos nossos modelos; e muito mais. Estamos apenas começando e as possibilidades e expectativas são muitas.
Esse post é uma celebração pessoal, minha, em virtude da satisfação que esse projeto me traz. Mas esse post é, também, uma pequena mostra do que podemos fazer. E, por fim, esse post é ainda um convite.
Atualização (07/09/2016): Quero levar esse projeto muito a sério. No ano em que estou me mudando de volta para o país, essa é minha serenata de amor ao Brasil. Para isso preciso da sua ajuda: eu, assim como você, pago minhas contas com meu trabalho, e a Serenata de Amor é meu trabalho agora. Esse projeto está no Catarse: se puder, colabore por lá; se puder, divulgue o link para seus amigos e conhecidos ; ) Muito obrigado!
Já falei do #SerenataDeAmor aqui e quero levar esse projeto muito a sério. Ele é nossa serenata de amor ao Brasil https://t.co/wf993HH1l8
— Cuducos (@cuducos) September 7, 2016