Essa semana fui um dos convidados para palestrar no USP Talks. O evento foi muito legal, teve até transmissão ao vivo. Para quem não pode ver no dia, deixo o vídeo da palestra e o roteiro que rascunhei (e obviamanete não segui à risca) para a minha fala. E também tem essa matéria bem legal contando do evento, da Operação Serenata de Amor e de blockchain.
Muito obrigado ao Paulo Almeida pelo convite, e ao Herton Escobar e ao Pedro Vilanova por me ajudar a organizar minhas ideias.
Alguém aqui já ficou surpreso de abrir o Facebook e ver aquele amigo de longa data ali nas sugestões de pessoas que você talvez conheça? Ou de abrir a Amazon e ver como sugestão de compra um livro sensacional que você nem sabia que existia?
Ou alguém aqui já se surpreendeu com o Netflix, uma versão dois ponto zero de uma locadora de fitas VHS que se transformou em um dois maiores e melhores produtores de séries de TV? House of cards, Narcos, Making a Murderer… Como eles sabem o que a gente vai gostar? Como eles sabem o que vai ser sucesso de público?
Tudo isso hoje é normal. Estamos acostumados a se surpreender com o tanto que o mundo das máquinas, dos robôs, dos computadores conhecem sobre nós. Os textos sobre inteligência artificial, big data, machine learning já saíram da ficção científica e já estão no noticiários, no nosso dia-a-dia.
E, claro, o mundo das máquinas, do Facebook, da Amazon, do Netflix e de muitas outras gigantes da tecnologia tem lucrado muito com isso.
Mas será que é só para isso que essa tecnologia serve? Será que essa tecnologia de inteligência artificial só serve para enriquecer essa elite tecnológica, empreendedora?
Eu acredito que não. Por mais que seja assim que essa tecnologia tem sido utilizada há muito tempo, acho que dá para fazer coisas muito mais interessantes com ela.
No próximo domingo vamos todos votar. Já imaginou se pudéssemos saber o que cada político fez no último mandato? Se pudéssemos saber em quem votar ou — ao menos — em quem não votar? Já pensou se essa tecnologia toda de inteligência artificial fosse usada para isso?
Tecnologia
A notícia boa é que a tecnologia que nos permite desenvolver robôs com inteligência artificial não é algo super caro ou supercomplicado. Ela está ao alcance de todos. Temos cursos online e gratuitos sobre esses temas nas melhores universidades do mundo: Stanford, Johns Hopkins, Washington e muitas outras oferecem cursos abertos e à distância sobre machine learning.
Isso sem falar que o próprio estímulo a programação como parte do ensino básico já é pauta em muitos lugares do mundo.
Os conceitos por trás de muitos desses algoritmos também não são novidade: as ideias já eram conhecidas entre estatísticos há décadas, mas o que faltava era poder de processamento para testar, para levar issas ideias da teorias à prática.
E hoje computadores domésticos já conseguem rodar as principais ferramentas necessárias para fazer funcionar algoritmos como os do Facebook, Amazon e Netflix. O salto tecnológico foi tão grande que um smartphone comum dos dias de hoje é 32 mil vezes mais potente do que o computador da NASA que equipava a Apollo 11.
Na verdade um smartphone comum de hoje é mais potente que o Deep Blue, o supercomputador que bateu Gary Kasparov, o campeão mundial de xadrez — disputa que muitos de nós aqui vimos noticiada na TV em 97.
Com tudo isso, lidar com uma quantidade enorme de dados, como Netflix a Amazon lidam, e fazer isso com muita eficiência não é mais um bicho de sete cabeças.
E como resultado, cada um de nós, brincando em nossas próprias casas, escritórios, coworking, cafés tem capacidade de gerar descobertas que seriam humanamente impossíveis sem esse poder de processamento, sem essa tecnologia que hoje está ao nosso alcance.
Mas e os dados? Se queremos usar essa tecnologia para saber como andam nossos políticos, precisamos de dados.
Os dados
Aqui no Brasil, com a lei de transparência, já temos muitos dados abertos sobre como nossos políticos andam gastando nosso dinheiro. A Câmara dos Deputados, por mais que possa ter seus defeitos, é muito transparente — principalmente quando falamos da verba indenizatória, um pacote que se juntou a outros e hoje leva o nome de Cota para Exercício da Atividade Parlamentar.
Por essa cota, cada um dos 513 deputados federais tem, em média, quase R$ 40 mil por mês em reembolsos para gastos com moradia, hospedagem, passagens aéreas, serviços postais, manutenção de escritório, jornais, revistas, internet, telefone, alimentação, serviços de segurança, consultorias, cursos e divulgação da atividade parlamentar.
Isso dá quase 250 milhões de reais por ano. É um bilhão de reais por mandato. E nós já temos como saber como cada deputado gastou cada centavo dessa cota — e isso desde 2009.
Imagina o que o Facebook sabe sobre você se você usa o Facebook desde 2009? Ou o que a Amazon ou Netflix sabem sobre você se você é cliente deles desde 2009?
Então imagine o que podemos saber sobre como nosso próprio dinheiro tem sido gasto por nossos deputados desde 2009?
Os dados estão aí, mas por vário motivos quase ninguém se debruça sobre eles.
Talvez seja um volume muito grande de dados. Somente no ano passado, em média, eram 30 mil novos pedidos de ressarcimento a cada mês. É difícil ficar de olho em todos.
Ou talvez ninguém se debruce por apatia política, por não entender a legislação relativa a essa cota, ou por ceticismo mesmo — por não acreditar mais na política.
Mas eu acho importante que a gente consiga passar um pente fino em contas como essa. A corrupção que vemos já adulta, consolidada nas notícias dos jornais, nas Lava Jatos e nos Mensalões começa em algum lugar.
E eu acredito que ela começa pequena, em um aluguel de carro na locadora do irmão, em um almoço com nota fiscal superfaturada, em uma hospedagem no hotel de quem financiou a campanha do deputado…
Os pequenos atos de corrupção do dia-a-dia pode não envolver grande quantias, mas temo que sejam grandes em volumes.
Por exemplo, vocês sabiam que em 2015 um deputado pagou com dinheiro público algumas contas da sua própria campanha? Ou que em 2014 um deputado tomou uma cervejinha em Las Vegas, no restaurante do Gordon Ramsey, e colocou a cerveja na nossa conta? Ou ainda que em 2013 um deputado foi ressarcido depois de alugar um carro em uma empresa que, na verdade, era uma padaria? Isso sem falar que em 2011 um deputado almoçou 13 vezes no mesmo dia, pagando cada uma dessas refeições com dinheiro daquele mesmo bolso… o nosso.
Pois é. Se usássemos os dados que já estão abertos, poderíamos encontrar muito mais casos como esses. Poderíamos fiscalizar muito mais de perto os gastos que nossos políticos fazem com o nosso dinheiro.
Hoje a OPS — Operação Política Supervisionada — faz isso. Um grupo de voluntários olha as notas fiscais apresentadas pelos deputados em busca de coisas suspeitas. Com muito trabalho, em 3 anos de atuação, eles já acharam mais de R$ 5 milhões usados indevidamente.
Mas o que a OPS faz leva tempo: envolve muitas visitas ao site da Câmara, consultas de CNPJ no site da Receita Federal ou nas Juntas Comerciais de cada estado. Envolve a criatividade de procurar por nomes de parentes e pessoas próximas dos políticos no Facebook ou na Wikipedia. Envolve tentar descobrir mais sobre as empresas usando manualmente o Google Maps e o Google Street View. E assim por diante.
Resumindo, o trabalho é fantástico, mas o problema é que seria necessária uma multidão de voluntários para fiscalizar tudo.
Mãos à obra
Mas, se eu já disse que temos a tecnologia necessária, porque não juntar as duas coisas: porque não pegar os dados que já são abertos e otimizar essa fiscalização com a tecnologia disponível?
Porque não usar inteligência artificial e machine learning para detectar casos de corrupção, casos de uso indevido? Podemos usar essa tecnologia para identificar casos suspeitos nos gastos dos políticos, usar essa tecnologia para para ficar de olho no que eles andam fazendo com o nosso dinheiro.
Na verdade, essa é a ideia de um grupo do qual eu faço parte: a Operação Serenata de Amor. Esse projeto tem como objetivo exatamente isso. Nós estamos fazendo um robô que fiscaliza contas públicas, que encontra casos de corrupção na menor escala possível e em maior volume possível.
Nos inspiramos em um caso da Suécia, da década de 90: Mona Sahlin era fortíssima candidata a Primeira Ministra quando, em um caso icônico, um chocolate Toblerone apareceu na fatura de seu cartão corporativo — ou seja, em uma conta paga com dinheiro público. Isso derrubou qualquer chance de sucesso para as ambições da candidata. O caso ficou conhecido como Toblerone Affair.O que nós queremos é fazer o mesmo aqui no Brasil.
Isso não envolve apenas tecnologia, envolve mostrar que outra forma de política é possível. Outra forma de política que não aqueles poucos segundos diante da urna de dois em dois anos. Envolve mostrar que fazer política não é só sair as ruas gritando “fora Dilma”, “fora Temer”, fora qualquer um que seja. Envolve mostrar que política — assim como tecnologia de machine learning — está ao alcance de todos, no nosso dia-a-dia.
E acompanhar o que nossos representantes fazem é essencial para que melhorias possam ser feitas. Combater a corrupção é essencial para que o dinheiro público seja convertido em melhorias para a sociedade como um todo.
E é essa nossa ideia na Serenata de Amor: possibilitar que a gente, como cidadão, fique de olho nos nossos políticos. Possibilitar que uma tecnologia que gera milhões de dólares de lucro para Facebook, Amazon, Netflix também nos ajude a equilibrar as contas públicas, a investir melhor os recursos dos cofres públicos.
Mas então alguém pode me perguntar se a ideia é ser uma espécie de Netflix, de Amazon da política, da luta contra a corrupção. Não, não é.
Antes de terminar não posso deixar de falar do mais importante: transparência. Se alguém te disser que algoritmos são isentos, neutros, não acredite. Isso é um mito.
Pessoas escrevem algoritmos, modelos matemáticos. E pessoas usam esses algoritmos. Ao fazer isso a subjetividade de cada um entra em jogo. Então não acredito que seja possível um robô ser 100% neutro, ser 100% isento.
É por isso que nossa ideia na Serenata de Amor é baseada em código e dados abertos.
Eu acredito na transparência. Nós não sabemos direito como o Facebook escolhe o que mostrar na timeline de cada um. Ninguém sabe como o Netflix sugere esse ou aquele filme, ou como exatamente eles pautam a criação de novas séries de TV. Não sabemos como a Amazon sugere um ou outro livro em seus anúncios.
Todos esses sistemas são fechados e a gente apenas intui sobre o funcionamento deles. Talvez acreditamos nos releases de imprensa deles. Mas no fundo quase ninguém sabe como esses algoritmos funcionam. E ninguém sabe pois esses sistemas são focados no lucro dessas iniciativas privadas, são segredos corporativos.
Isso não é um problema, claro. Mas se a tecnologia quiser ajudar na política, ela tem que ser aberta e transparente. Somente assim qualquer pessoa do mundo pode ver como essa inteligência artificial está sendo feita. Rapidamente qualquer um pode fazer uma espécie de auditoria se um algoritmo estiver sendo tendencioso aqui ou ali. Além disso qualquer pessoa pode também corrigir esse viés.
E uma vez feito isso, uma vez que uma pessoa corrija um desvio, no mesmo instante a colaboração dessa pessoa já fica disponível para todo o mundo. Todos podem, na hora, utilizar a versão melhorada, com menos viés, do mesmo algoritmo.
Tecnologia, transparência e política podem — e devem — andar juntas.
A tecnologia nos permite olhar um volume gigantesco de dados em poucos segundos. Transparência permite que a gente identifique pontos em que podemos melhorar mais rapidamente — e que as melhorias venham mais rapidamente também. Isso já deu certo para muita coisa: Wikipedia, projeto do genoma humano, sistemas operacionais para computadores… e agora é a vez da política.
É nisso que eu acredito. É é por isso que quero fazer da Serenata de Amor o meu projeto de vida nos próximos meses.
Muito obrigado.