Escrevo esse texto com dor, e a emoção que causa essa dor com certeza me atordoa. Não sou advogado, nem formado em direito. Por mais que eu tenha um mestrado sobre sociologia do direito, legislação, interpretação das leis e jurisprudência não são minha especialidade.
Apesar de tudo isso sou sociólogo. Sou treinado para olhar como estruturas de poder se relacionam em uma sociedade. E nessa infeliz quarta-feira vi um juiz anular a existência de uma mulher — e o significado disso é amedrontador para todos nós que queremos um mundo justo para todos, independente de gênero ou sexualidade.
Ontem uma mulher foi violentada em um ônibus em São Paulo. Diego Ferreira de Novais se masturbou e ejaculou na vítima. Sim, ele gozou na mulher em pleno coletivo. Foi levado para a delegacia, em parte graças ao cobrador e ao motorista do ônibus que evitaram um massacre ali mesmo.
Hoje ao final da tarde o juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto me deixou pasmo ao soltar Diego. Diego, mesmo tendo outras 5 passagens pela polícia por assédios, estupros e outros abusos contra mulheres, segue a vida livre leve e solto — apenas com uma recomendação para procurar ajuda psiquiátrica.
Para o juiz não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco do ônibus cheio. Mesmo transtornado com a decisão desumana de José Eugenio não consegui parar de pensar na agressividade dessas palavras do magistrado.
Ele não só deixou Diego livre. Ele aniquilou a condição humana da mulher agredida. Ao afirmar que não houve violência ele nega àquela mulher a condição de ser uma pessoa, uma cidadã. E ao considerar o ato meramente atentado ao pudor ele considera que aquela mulher, além de não ter direito à humanidade, é um acessório público qualquer, um objeto no mundo.
Se Diego se masturbasse e gozasse no banco da praça, seria atentado ao pudor. Se o fizesse na catraca do ônibus, seria atentado ao pudor. Se o fizesse na lixeira do ponto de ônibus, idem. Mas não: ele o fez em um ser humano — fato que José Eugenio se recusa a ver.
O juiz, agindo assim, exclui da cena do crime a própria mulher agredida. A cena passa a ser tratada apenas como maluco balançando o pênis em público. O fato de ele ter ejaculado em uma mulher é jogado ao acaso. Ao mesmo tempo a possibilidade de ele ter visto na mulher um possível estímulo sexual não é nem concebível nem importante para José Eugenio.
Ela, na cena, passa a ser um objeto qualquer. Tão qualquer que nem objeto sexual ela tem mais o direito de ser. Ela é reduzida a objeto em um mundo onde apenas homens podem ser protagonistas. Um mundo onde agressores como Diego se masturbam e gozam onde querem enquanto juízes como José Eugenio observam o ato machisticamente focado somente no homem. A mulher é segundo plano, acessório. Quando muito, enfeite.
A decisão repugnante de José Engenio agride a vítima de Diego com tamanha severidade que a censura de ser protagonista da própria tragédia. A decisão é, assim, um sinal de que a cretinice machista que objetifica a mulher, lhe tirando a humanidade e a colocando no mundo ao bel prazer do homem não é só estatística: é status quo garantido pelo sistema judiciário. E é essa a agressividade que me tira o sono nessa quarta-feira.
Em uma semana em que o muitas mulheres e homens comemoram a força brutal de Clara Averbuck, José Eugenio contra-ataca o feminismo com tamanha escrotidão como se quisesse passar um recado. E passou. Me deu a certeza de que o mundo em que vivemos é deveras deprimente — e em grande parte o é por causa Diegos e José Eugenios.